top of page

A Ditadura Militar Argentina


A ditadura das Forças Armadas argentinas está entre as mais sangrentas da história contemporânea. As perseguições, os métodos imorais, a covardia dos militares fez com que a repressão que eles protagonizaram contra o povo argentino no período de 1976 a 1984 fosse chamada de Guerra Suja

Os militares pareciam ter enlouquecido, tomados por um frenesi sanguinário. A mínima oposição era punida com a mais severa punição. Histórias como a dos jovens mal saídos da infância que foram sequestrados, torturados e assassinados por participarem de protestos contra a tarifa de ônibus, ou os relatos sobre as milhares de mulheres e meninas que foram estupradas e estripadas simplesmente por serem suspeitas, continuam a assombrar a memória nacional.

Os militares tomaram o poder na Argentina como resultado da instabilidade política que se seguiu à morte de Perón. Em 1973, Juan Perón voltou do exílio para encontrar uma Argentina dividida. A esquerda e a direita rivalizavam, colocando em cena vários grupos guerrilheiros. O maior e mais ativo era o Exército Revolucionário do Povo.

Perón morreu em 1974, deixando em seu lugar a viúva, Isabel Martinez Perón. Manobrada pelos militares, Isabel assinou uma série de decretos colocando mais poder nas mãos das Forças Armadas. Entre esses documentos estavam os “decretos de aniquilação”, através dos quais Isabel autorizava o extermínio dos grupos subversivos de esquerda. A viúva de Perón acendia o pavio de uma das piores repressões da história recente.

Em 1976, Isabel foi destituída do poder por um golpe de Estado consumado pelas Forças Armadas, e a Argentina passou a ser governada por uma junta militar. Num primeiro momento, de 1976 a 1981, a junta foi comandada por Jorge Videla, seguido de Roberto Viola e Leopoldo Galtieri, responsável por lançar o país contra a Grã-Bretanha na desmiolada Guerra das Malvinas. Nesse período, a ditadura da Argentina perseguiu injustificadamente o próprio povo argentino. Videla, sob cujo comando a repressão foi mais insana, chamava o inexplicável ataque aos cidadãos de “Processo de Reorganização Nacional”, através do qual os militares buscavam obediência incontestável e submissão absoluta da população.

Para justificar seus atos, os militares sustentavam que estava havendo uma guerra civil na Argentina. Por isso, métodos extremos, como o sequestro e a tortura, tinham de ser empregados para garantir a ordem. A própria junta se referia às suas ações como Guerra Suja.

Apesar de diversos ataques de grupos insurgentes a alvos militares, as organizações rebeldes foram prontamente desmanteladas. Em pouco tempo, não havia ameaça factual de guerra interna. E na falta de inimigos verdadeiros, o alvo das Forças Armadas foi a própria sociedade civil, a população em geral.

Qualquer um que fizesse a menor oposição política, sindicalistas – os quais constituíram metade das vítimas –, estudantes, jornalistas e mesmo esposas, maridos e filhos das vítimas era detidos. Quando, depois de muito torturar – o que, no caso das mulheres, frequentemente incluía o estupro – descobriam que o suspeito não tinha qualquer ligação com o suposto movimento “terrorista”, assassinavam a vítima, num processo de “queima de arquivo”.

De acordo com Julio Strassera, promotor público no julgamento das juntas, em 1985, o termo “guerra” não passava de um “eufemismo para esconder atividades criminosas” dos militares.

Jorge Videla: perseguidor do seu próprio povo

Em 1981, Videla passou o poder ao general Roberto Eduardo Viola, que ficou poucos meses à testa da junta. Por motivos de saúde, foi substituído por Leopoldo Galtieri. Numa tentativa impensada, Galtieri buscou desviar a insatisfação interna gerando um conflito externo e declarou guerra a uma das maiores potências militares modernas, a Grã-Bretanha. Como resultado da insensatez, a junta perdeu a Guerra das Malvina, e a Argentina foi humilhada. Não restou outra saída a não ser a renúncia. A guerra apressou, desse modo, o fim da ditadura.

Depois de ter sido eleito por meio de eleições democráticas, o presidente Raul Alfonsin criou, em dezembro de 1983, a Comissão Nacional de Pessoas Desaparecidas (CONADEP). A comissão, chefiada pelo escritor Ernesto Sabato, tinha como missão levantar evidências sobre a Guerra Suja. Os detalhes das investigações, que incluíam documentos sobre o desaparecimento de cerca de nove mil pessoas chocaram o mundo.

No prólogo do relatório da CONADEP, adequadamente intitulado Nunca Más, Sabato escreveu que, “a partir do momento em que eram sequestradas, as vítimas perdiam todos os seus direitos. Destituídas de toda a comunicação com o mundo exterior, mantidas em locais desconhecidos, submetidas a torturas bárbaras, ignorando seu destino imediato ou futuro, corriam o risco de serem jogadas ao mar ou em algum rio, presas a blocos de cimento ou cremadas. Não eram, porém, meros objetos e possuíam todos os atributos humanos: sentiam dor, lembravam de suas mães, filhos ou esposas ou sentiam a infinita humilhação de serem estupradas em público...”

O relatório produzido em 1984 concluía que cerca de nove mil pessoas “desapareceram” entre 1976 e 1983. Esse número, porém, é subestimado. O próprio Serviço de Segurança da Argentina avalia que nesse período cerca de 22 mil pessoas sumiram. Algumas organizações de direitos humanos calculam em 30 mil o número de vítimas da ditadura militar argentina.

Frente aos fatos, o presidente Alfonsin determinou que nove membros da junta militar fossem processados judicialmente. Entre eles estava Jorge Videla, o homem sob quem a junta cometeu os maiores abusos. Em 1985, Videla foi sentenciado à prisão perpétua. A pena começou a ser cumprida na prisão militar de Magdalena. No entanto, em 29 de dezembro de 1990, temendo provocar os militares, o presidente Carlos Menem anistiou Videla e outros militares. Menem justificou o perdão afirmando a necessidade de superar os conflitos do passado.

Mas Videla ainda voltaria à prisão, acusado, dessa vez, de participar do sequestro de bebês das vítimas do regime. Essas crianças eram adotadas por militares. Videla passou 38 dias na cadeia, mas teve sua pena comutada para prisão domiciliar por conta de problemas de saúde. Ironicamente, Videla ficou realmente incapaz de sair de sua casa, pois cada vez que saía era ofendido e atacado. Uma vez, a rua onde morava o ex-ditador apareceu pichada com setas enormes apontando para a casa de Videla, com os dizeres: Trinta mil desaparecidos, assassino à solta. Os argentinos não esquecem.

A situação do antigo líder da junta militar tornou a se agravar depois da eleição de Nestor Kirchner, em 2003. Um esforço generalizado foi promovido no sentido de demonstrar a ilegalidade do regime que ele chefiou. Desde então, muitos oficiais acusados de violar os direitos humanos durante a Guerra Suja foram processados. Em setembro de 2006, um juiz determinou que o perdão outorgado por Menem a Videla era inconstitucional. Em 22 de novembro de 2010, Videla foi julgado, condenado a prisão perpétua e destituído da patente militar pela morte de 31 prisioneiros que ocorreram após seu golpe de estado. Videla morreu em 17 de maio de 2013 aos 87 anos, no cárcere da prisão de Marcos Paz, onde cumpria pena.

Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page