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Os 18 do Forte


Num episódio de bravura e loucura, 18 tenentes rebeldes que haviam capturado o Forte de Copacabana realizam um ataque suicida para não se renderem ao inimigo

Nas primeiras décadas do século passado, a precária situação econômica, falta de leis trabalhistas, carestias e os desmandos do governo, cujas medidas beneficiavam apenas a oligarquia que controlava o país, trouxeram descontentamento em todos os setores da sociedade. A crise acabou por se instilar no Exército, no baixo oficialato. Desse modo, alguns setores entre os militares acabaram tomando para si a tarefa de tirar o governo das mãos da oligarquia dominante e desenvolver o Brasil. O movimento foi encabeçado, em grande parte, pelos tenentes – também eles membros da classe média oprimida pela crise econômica, que acabaram se erguendo contra essa situação.

Durante a República Velha, a partir da Presidência de Campos Sales (1898-1902), as oligarquias paulista e mineira conseguiram garantir a permanência no poder por meio da política do café com leite. Representados pelos Partido Republicano Paulista (PRP) e pelo do Partido Republicano Mineiro (PRM), controlavam as eleições com o apoio da elite agrária de outros estados do país. Desse modo, presidentes civis vindos setor agrário dos estados de São Paulo – com grande produção de café – e de Minas Gerais – maior polo eleitoral do país da época e produtor de leite, revezavam-se no poder, apesar dos protestos da população e das greves que eclodiram na época.

Nesse cenário, as relações entre o Exército e o governo já estavam bem esgarçadas, e mais lenha foi jogada na fogueira durante a sucessão presidencial de Epitácio Pessoa. Em junho de 1921, o governo de Epitácio interveio na sucessão estadual de Pernambuco e foi duramente criticado por Hermes da Fonseca. Em outubro, a imprensa divulgou cartas supostamente escritas pelo candidato oficial, Artur Bernardes, contendo acusações ao Exército e ofensas ao marechal Hermes da Fonseca, presidente do Clube Militar. Os ânimos acirravam-se cada vez mais.

Em março de 1922, apesar da oposição, Artur Bernardes foi eleito presidente da República, e a posse seria em novembro daquele ano. Como prevenção, Epitácio, ordenou a prisão do marechal e o fechamento do Clube Militar, em 2 de julho de 1922. O fogo daquela fogueira de conflitos já se alastrava sem controle: em todos os quartéis e guarnições militares da capital federal se comentava que a “procissão ia sair”.

No dia 4 de julho de 1922, o capitão Euclides Hermes, filho de Hermes da Fonseca e comandante do Forte de Copacabana, convocou seus subordinados. Do portão até o farol do forte, foram cavadas trincheiras e o terreno foi minado. A revolução começaria ali. Na madrugada do dia 5, à 1h20, o tenente Siqueira Campos disparou um dos canhões. Era o sinal. Os rebeldes ficaram em silêncio esperando as respostas das outras unidades. No entanto, apesar de outros fortes e quartéis terem aderido, no primeiro momento, à revolta, não responderam ao tiro, indicando que haviam desistido.

“Covardes! Cadê vocês? Mas nós já começamos e vamos até o fim”, gritou Siqueira Campos. Em seguida disparou um canhão contra o Quartel-General, a ilha das Cobras, o Depósito Naval e o túnel Novo. Seus tiros obrigaram o comando militar a abandonar o Ministério da Guerra. Mas as forças leais ao governo revidaram, e o forte sofreu pesado bombardeio durante todo o dia.

Na madrugada do dia 6, o ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, telefonou a Euclides Hermes exigindo a rendição dos revoltosos. Então, Hermes e Siqueira Campos informaram aos seus homens que o governo iria esmagar o levante e deixaram sair os que não queriam combater. Dos 301 iniciais, restaram apenas 29.

As duas primeiras fileiras do pelotão dos 18 do Forte, antes do ataque inicial em que dez deles foram mortos; de chapéu e terno, o civil Otávio Correia, que aderiu ao levante no último momento

Depois da retirada desse contingente, a Marinha posicionou um destroier e os encouraçados São Paulo e Minas Gerais, os dois Dreadnoughs – os navios de guerra mais modernos de então –, em frente à ilha de Cotunduba e ordenou o bombardeio ao torte. Depois dessa mostra de força, Calógeras telefonou de novo. Dessa vez, os rebeldes decidiram negociar.

Euclides Hermes saiu ao encontro do Ministro da Guerra, mas foi preso. O governo deixava claro: não haveria dialogo; ou os revoltosos se renderiam, ou seriam massacrados. E o bombardeio naval recomeçou. Sob pesado fogo, os tenentes não conseguiram disparar os canhões do forte contra a cidade como tinham ameaçado. Pressionado pela situação, Siqueira Campos tomou uma decisão suicida: sair para combater de peito aberto as tropas legalistas. Com um canivete, eles cortaram uma bandeira do Brasil em 29 pedaços e os distribuíram entre si, guardando aquele que deveria ser entregue ao capitão Euclides Hermes.

Armaram-se como podiam e começaram a marcha pela avenida Atlântica. Alguns debandaram. Restaram somente 18, caminhando para a morte. De repente, um civil, Otávio Correia, atravessou a avenida e se juntou aos rebeldes – uma atitude espontânea que ilustra o alinhamento que havia entre os tenentes e a classe-média. Eram 19 homens indo enfrentar três mil soldados do governo.

Atacaram numa carga aberta, avançando em meio a um pesado tiroteio. Depois dessa ação, restaram apenas dez rebeldes: quatro tenentes, cinco soldados e o engenheiro Otávio Correia. Finalmente, uma carga de fuzilaria os derrubou. Só dois sobreviveram: os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes.

Mais tarde, Epitácio Pessoa foi visitar os dois sobreviventes no hospital. Durante o encontro, Siqueira Campos teve uma atitude que deixou bem claro a que os tenentistas se dispunham pelo seu ideal. Campos não conseguiu conter a raiva e, aos olhos do presidente, conforme conta o históriador Glauco Carneiro, “num gesto brusco e impregnado de desdém, arrancou as gazes e a cinta que lhe continham o abdômen dilacerado, ficando com os intestinos à mostra”.

Em 15 de novembro de 1922, Artur Bernardes assumiu a presidência da República sob estado de sítio, decretado por ocasião do levante de julho. E durante a maior parte do seu governo, os tenentes obrigaram-no a manter essa situação.

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