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Primeiro europeu chega à América no século VI d.C.


Um religioso irlandês, São Brendan, realiza uma expedição para pregar o Evangelho nas Terras do Oeste e descobre a América 950 anos antes de Colombo

O que levou o primeiro europeu que teria chegado na América a tentar o feito não foi ambição, mas a fé. Conforme o manuscrito do século X Navegatio Sancti Brendani, que narra a expedição, São Brendan, ou Brendan, o Viajante, zarpou da península de Dingle, na Irlanda, em aproximadamente 535 d.C. para levar o Evangelho “ao desconhecido continente do Oeste”. Quando voltou, anos mais tarde, disse ter chegado à Terra Abençoada, mencionada em antigas lendas irlandesas.

Brendan nasceu em cerca de 484(?), perto de onde hoje é Tralee, capital do Condado de Kerry, na atual República da Irlanda, e foi educado nos mosteiros locais até ser ordenado sacerdote, em 512. Nessa época, enquanto todo o resto da Europa vivia a Idade das Trevas, a Irlanda passava por sua Era do Ouro, período que ainda hoje é orgulhosamente cultuado pelos irlandeses. A conversão dos habitantes celtas ao cristianismo, a fundação de mosteiros e de escolas monásticas e o uso da escrita trouxeram grande expansão cultural ao país. Durante os séculos VI e VII, essas escolas estavam entre as mais importantes do mundo ocidental. Estudantes de toda a Europa iam para a Irlanda em busca de conhecimento, pois o continente, pilhado e saqueado pelos bárbaros depois da queda de Roma, passava por uma grande convulsão.

Nos mosteiros irlandeses, que eram independentes da Igreja Romana, produzia-se arte e conhecimento. Os manuscritos ornamentados com iluminuras são a principal síntese da cultura desse tempo. O próprio São Brendan, que foi santificado devido aos seus trabalhos missionários, fundou alguns desses mosteiros antes de partir em busca da Terra Abençoada, inspirado pelas narrativas dos antigos navegadores celtas sobre Hy Brazil, uma ilha movediça a oeste da Irlanda.

Essa lenda encheu a imaginação dos irlandeses e, mais tarde, dos marinheiros europeus da Era dos Descobrimentos. Os celtas acreditavam ser um lugar onde a verdade era dúbia e onde não havia nem juventude nem velhice, pena ou tristeza, bem ou mal. Era onde Breasil, o Rei do Mundo, tinha construído sua capital. A palavra Hy quer dizer terra e Brazil vem do celta Bress, que originou o verbo inglês to Bless (abençoar). Há quem diga que o Brasil tem esse nome por causa do mito de Hy Brazil e não devido à abundância de pau-brasil, conforme a versão aceita.

A viagem de Brendan

Para se preparar para a viagem, Brendan ficou 40 dias no alto do Monte Brandon, a segunda montanha mais alta da Irlanda, rezando e jejuando. O Navegatio Sancti Brendani conta que Barithus, o lendário navegante que levou Merlin e o Rei Artur numa viagem pelos mares do além em busca de um caldeirão mágico, apareceu para o religioso e o aconselhou a ir para o oeste.

São Brendan, acompanhado de mais 14 monges (o número muda conforme a fonte), teria partido por volta de 535, de um ancoradouro chamado Brandon Creek, próximo ao Monte Brandon. Zarparam em currachs, embarcação a remo revestida de couro usada pelos pescadores irlandeses. Depois de cruzarem mares estranhos, chegaram à Terra Repromissionis, ou Paraíso, retratada por São Brendan como uma terra maravilhosa, coberta de vegetação luxuriante.

A descrição que ele fez em seu retorno levou muitos a tentarem situar a posição geográfica da ilha. No entanto, influenciados pelo mito da movediça Hy Brazil, esses cartógrafos divergiram muito entre si. Em um mapa catalão de 1375, ela é colocada próxima da costa oeste da Irlanda. Em outros mapas medievais, porém, ela aparece mais para o sul e algumas cartas a identificam como a Ilha da Madeira.

Várias aventuras contadas no manuscrito Navegatio Sancti Brendani são as mesmas da velha lenda irlandesa A Viagem de Maelduin, sobre um homem que navegou em busca dos assassinos do seu pai e acabou descobrindo uma porção de ilhas fantásticas. Num dos episódios, comum em ambas as histórias, São Brendan e seus monges (ou Maelduin e seus homens) desembarcaram numa baleia achando que estavam em terra firme e só descobriram o erro ao tentarem acender uma fogueira.

Reprodução do mapa de Fries, de 1535, com a ilha de (Hy) Brazil a sudoeste

O Retorno

Brendan voltou para a Irlanda sete anos depois de partir e ficou famoso pelo seu feito. Multidões de peregrinos e de estudantes passaram a ir ouvi-lo no mosteiro de Ardfert, construído por ele mesmo nos pés do Monte Brandon antes de empreender a aventura. Suas histórias foram transmitidas pelo tempo e preservadas na tradição oral irlandesa. Centenas de anos mais tarde, quando foi escrita, a narrativa se misturou com os antigos mitos celtas e incorporou aspectos lendários.

Depois do seu retorno, São Brendan ainda viajou como missionário pela Escócia e País de Gales. De volta à Irlanda, já considerado santo, fundou novos mosteiros e escolas. Morreu em 577, aos 87 anos.

Há uma grande polêmica em torno do feito de São Brendan, pois não existem evidências de que ele tenha realmente feito a viagem. Alexander von Humboldt (1769-1859), o explorador da América Tropical e da Ásia, cujos trabalhos contribuíram para o desenvolvimento de uma série de ciências – entre elas a Oceanografia –, coloca a história entre as lendas geográficas, de interesse para o conhecimento da nossa civilização, mas sem valor do ponto de vista científico. No entanto, alguns séculos depois da aventura do santo, os vikings chegaram à América. Suas sagas – a sofisticada literatura sobre as expedições nórdicas – contam que eles encontraram regiões batizadas pelos nativos como “Terra do Homem Branco”, ou “Irlanda Maior”. A tradição dos índios shawnee, da costa Leste americana, também faz referência a europeus na América muito antes de Colombo. Seus antigos mitos informam que na atual Flórida havia uma tribo de homens brancos que usavam ferramentas de ferro. Outra evidência a favor da veracidade da viagem é que Brendan só poderia ter descrito os animais e plantas que estão no Navegatio se tivesse visitado a América. No século XIX, estes fatos levaram alguns estudiosos irlandeses a reclamarem para o seu país o crédito pelo descobrimento da América. A reivindicação, porém, teve apenas repercussão local.

Uma viagem de currach

A dúvida quanto a verdade em torno de São Brendan inspirou o moderno explorador inglês Tim Severin (1940) a refazer a viagem. Baseando-se na rota descrita no Navegatio, Severin construiu um currach com as mesmas características daquele usado pelo santo. Acompanhado de quatro tripulantes, zarpou de Brandon Creek em 17 de maio de 1976 e chegou, de fato, à América 13 meses depois da partida. Brendan descreveu sua rota através de lugares que batizou de Ilha do Carneiro, Paraíso dos Pássaros, Ilha do Ferreiro, Terra dos Pilares de Cristal, Região da Brumas, chegando finalmente à Terra Abençoada. Na sua viagem, Severin diz ter identificado essas referências geográficas como as Hébridas, o arquipélago Féroes, a Islândia, a Groelândia, a Terra Nova e a América. Com sua expedição, Severin provou que a viagem de São Brendan foi, de fato, possível de ter sido realizada.

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