Brasil, 1816
- cblanc67
- 29 de jul. de 2016
- 3 min de leitura

Há 200 anos, os viajantes estrangeiros que visitaram o Brasil depois da abertura dos portos pintam a imagem de um povo exótico, meio indígena, meio africano, de costumes quase bárbaros
Há duzentos anos, o Brasil tinha feição bem diferente da atual, embora muitos dos traços de então permaneçam até hoje – as pedras de fundação da civilização brasileira. Até a abertura dos portos às nações unidas, em 1808, a colônia era fechada a qualquer estrangeiro que não fizesse parte do Império português. A partir de então, diversos viajantes, naturalistas e aventureiros começaram a visitar o Brasil. Suas descrições pintaram um retrato curioso de um país exótico, meio africano, meio indígena, controlado por senhores brancos com olhos voltados para a Europa.
O Brasil de então, como o de hoje, era um país mestiço, com ares orientais. Nessa época, o Brasil tinha três milhões de habitantes. Um terço dessa população era constituída de escravos, e um quarto, de índios. Dos outros, considerados cidadãos, a maioria era de mulatos, mamelucos ou cafuzos, e a minoria de portugueses. Menos de 3% da população era alfabetizada – mesmo assim, a maioria destes sabia pouco mais que assinar e fazer contas.
A sociedade brasileira de então era centrada na escravatura. “A escravidão”, escreveu o historiador José Murilo de Carvalho, “além de sustentar a produção agrícola e os serviços urbanos, perpassava a vida social de alto a baixo”. A cultura brasileira de então era mestiça e mística, pesadamente católica. Os ritos religiosos marcavam o passar do tempo. Tradição portuguesa, o dobre dos sinos anunciava os principais acontecimentos do Rio de Janeiro. Nascimentos, mortes, incêndios, invasões, festas religiosas, dias santos. O barulho era tanto que, em 1833, a Comissão de Salubridade da Sociedade de Medicina elaborou um relatório sobre o abuso dos toques de sinos e o mal que causava à saúde. Anos depois, Machado de Assis comentou o costume em uma das suas crônicas, publicada na Semana Ilustrada, de 20 de outubro de 1872. Nela, o grande escritor perguntava por que motivo os filhos de Adão tinham direito a mais uma badalada do que as filhas de Eva, mencionando o costume de anunciar o nascimento dos meninos com um toque de sino a mais.
Apesar de ser a capital do império, arrogando-se ares de corte tropical, situada em meio a uma paisagem exuberante, o Rio era coberto de sujeira. O lixo se acumulava pelas ruas. O esgoto doméstico era retirado em vasos e baldes carregados por escravos e despejado em córregos e ribeirões. A bela Lagoa Rodrigo de Freitas era um desses lugares. Como os escravos encarregados de transportar o esgoto doméstico viviam manchados com listras de sujeira que caia dos baldes e lhes escorria pelas costas, rosto, pernas, eram chamados de “tigres”.

Uma família brasileira num passeio dominical, pelo francês Jean-Baptiste Debret
O oficial da marinha britânica James Tuckey descreveu as habitações cariocas nos anos 1820 afirmando que “vistas de fora, as casas têm a mesma aparência de limpeza que observamos nas residências dos melhores vilarejos da Inglaterra. A boa impressão, contudo, desvanece à medida que nos aproximamos. Logo que se metem os pés para dentro, constata-se que a limpeza não passa de um efeito da cal que reveste as paredes exteriores e que, nos interiores, habitam a sujeira e a preguiça. As ruas, apesar de retas e regulares, são sujas e estreitas, ao ponto de o balcão de uma casa quase se encontrar com o da casa em frente”. O historiador Oliveira Lima confirma: “a limpeza da cidade [do Rio de Janeiro] estava toda confiada aos urubus”, escreveu ele. Já o viajante Alexander Caldcleugh, que visitou o Rio entre 1819 e 1821, ficou impressionado com a quantidade de ratos que infestavam a capital do império. “Muitas das melhores casas estão de tal forma repletas deles que durante um jantar não é incomum vê-los passeando pela sala”, relatou.
Os cariocas de então estavam longe de corresponder aos padrões de civilização. Sob o calor tropical, imperava a deselegância no modo de se vestir e de se comportar. James Tuckey escreveu, por exemplo, que as mulheres brasileiras “tinham o péssimo hábito de escarrar em público, não importando a hora, situação ou lugar. Tal hábito (...) forma um poderoso obstáculo ao império do charme feminino”.
À mesa, então, a incivilidade dos brasileiros imperava. O pintor Jean Baptiste Debret, que chegou ao Brasil com a Missão Artística Francesa em 1816 e que retratou a vida dos brasileiros, ficou escandalizado com a falta de educação dos ricos durante as refeições. “O dono da casa come com os cotovelos fincados na mesa; a mulher, com o prato sobre os joelhos, sentada na sua marquesa, à moda asiática; e as crianças, deitadas ou de cócoras nas esteiras, lambuzam-se à vontade com a pasta de comida nas mãos (...) As mulheres e crianças não usam colheres nem garfos; comem todos com os dedos”, registrou o pintor.
GALERIA (clique na imagem para iniciar)
Comentarios